Olhos azuis profundos como a imersão em mar aberto no crepúsculo matutino em fim de estação. Deves ter pouco mais de dez anos à minha idade, quem há de saber? Sorriso trivial, mas sempre dá as caras por onde há gente. A barba por fazer acompanha o corte moderno do cabelo castanho claro de alguém que um dia nasceu louro. Uma pequena pança, acredito que proporcionada pela quantidade de verões já congregados, dá formosura ao resto de fisionomia impecável que junto a compostura insinuante do cara-nada-tímido-amigo-geral-da-nação-boa-pinta-camarada-bom-de-cama, afaga o coração de raparigas em flor, como eu e de tantas outras margaridas plantadas no fim dos anos setenta. Tocas Jorges, Pixingas, Elises e Paulinhos da Viola em um lugar onde nenhuma das almas presentes importam-se com a genialidade destes, apenas eu. Apenas eu.
Hoje encontrei-te desfrutando um café em toda a sua intelectualidade. Pedi um capuccino - large with chocolate on top - alojei-me no assento de frente à seu reflexo no vidro lateral, abri o Caio Fernando Abreu - presente de aniversário de mamãe - na espera de qualquer movimento. Passaram-se uma hora e trinta minutos. Findei o café, ensejei e pensei que talvez fosse mais imeterato deixa-lo, voltar para casa e namorar minha solidão.
À seu consentimento, penso, sou apenas uma menina interessante aos seus recém completados sete mil e trezentos dias de vida em um visual quase masculino - se não fosse pela suave maquiagem feminina - com propensão à fofura e conversa amigável em seus flertes discretos, talvez até mais recatados do que os de todas as outras.
Tenho certeza que contentaria-se ao conhecer-me melhor, como na vez em que contei sobre o apreço que tenho por Jefferson Airplane. Sentiria-se o guri mais feliz do planeta ao adentrar meu recanto, deparar-se com os pôsteres pra mais de metro do Led ou Yellow Submarine, escolher o Jazz de Eddie Condon e depois a sua favorita, Astrud, deitando-se de bucho para cima em meu carpete cor de grafita, como em seus passados vinte anos.
“Ai, menina. Se eu tivesse vinte anos, dispensaria sua companheira e fugiria pro aconchego do teu lar. Deitaria-te em meu peito onde o coração bate acelerado. Apertadinho, juntinho, assim entre cheiros de seu Marlboro Light, minha cigarrilha, seu doce Salvador Dali e o meu perfume de homem em fim de Outono. Te lecionaria na arte dos botões, mixagens e produções, que você ainda está a aprender. Me cantarias algum Vinícius ou Caetano ao violão e eu a acompanharia com a doce escaleta vermelha - que não haveria de caber melhor à você. Passariamos frio na varanda, sem nada mais importar pois temos luzes natalinas e sorvetes de crème com chocolate. Arremessaríamos bitucas de cigarro sob a cabeça de senhoras negras à passar pela rua ao entardecer, por acidente e correríamos para o lado de dentro, usando o fato como desculpa, mas na verdade tendo como maior razão a atração sem idade dos corpos desbotados em cor pela distância da pátria mãe gentil. Sairíamos atrasados para o lugar onde sou empregado e você finge que aprende algo com o Barba Ruiva, sem caber de imaginar à ninguém o que se passa em nossa poesia.
Ah, pequena… Cuida do que é teu. Tenho um filho e uma vida já pronta para cuidar. Você despencou de pára-quedas neste mundo. Aproveita e fica bem que o mundo ainda é bem maior que tudo isso”.
Hoje encontrei-te desfrutando um café em toda a sua intelectualidade. Pedi um capuccino - large with chocolate on top - alojei-me no assento de frente à seu reflexo no vidro lateral, abri o Caio Fernando Abreu - presente de aniversário de mamãe - na espera de qualquer movimento. Passaram-se uma hora e trinta minutos. Findei o café, ensejei e pensei que talvez fosse mais imeterato deixa-lo, voltar para casa e namorar minha solidão.
À seu consentimento, penso, sou apenas uma menina interessante aos seus recém completados sete mil e trezentos dias de vida em um visual quase masculino - se não fosse pela suave maquiagem feminina - com propensão à fofura e conversa amigável em seus flertes discretos, talvez até mais recatados do que os de todas as outras.
Tenho certeza que contentaria-se ao conhecer-me melhor, como na vez em que contei sobre o apreço que tenho por Jefferson Airplane. Sentiria-se o guri mais feliz do planeta ao adentrar meu recanto, deparar-se com os pôsteres pra mais de metro do Led ou Yellow Submarine, escolher o Jazz de Eddie Condon e depois a sua favorita, Astrud, deitando-se de bucho para cima em meu carpete cor de grafita, como em seus passados vinte anos.
“Ai, menina. Se eu tivesse vinte anos, dispensaria sua companheira e fugiria pro aconchego do teu lar. Deitaria-te em meu peito onde o coração bate acelerado. Apertadinho, juntinho, assim entre cheiros de seu Marlboro Light, minha cigarrilha, seu doce Salvador Dali e o meu perfume de homem em fim de Outono. Te lecionaria na arte dos botões, mixagens e produções, que você ainda está a aprender. Me cantarias algum Vinícius ou Caetano ao violão e eu a acompanharia com a doce escaleta vermelha - que não haveria de caber melhor à você. Passariamos frio na varanda, sem nada mais importar pois temos luzes natalinas e sorvetes de crème com chocolate. Arremessaríamos bitucas de cigarro sob a cabeça de senhoras negras à passar pela rua ao entardecer, por acidente e correríamos para o lado de dentro, usando o fato como desculpa, mas na verdade tendo como maior razão a atração sem idade dos corpos desbotados em cor pela distância da pátria mãe gentil. Sairíamos atrasados para o lugar onde sou empregado e você finge que aprende algo com o Barba Ruiva, sem caber de imaginar à ninguém o que se passa em nossa poesia.
Ah, pequena… Cuida do que é teu. Tenho um filho e uma vida já pronta para cuidar. Você despencou de pára-quedas neste mundo. Aproveita e fica bem que o mundo ainda é bem maior que tudo isso”.
