Nada como esquecer as cortinas abertas durante a noite em um quarto no topo da casa e ser despertada pela alvorada ensolarada de sábado com nuvens em todo o meu redor. Não me droguei, simplesmente minha vida amanheceu contente. Regar-se em uma banheira com sais em água quente até a pele enrrugar e o relógio dar a volta completa. Rolling Stones em “Beggars Banquet” brindam este novo dia dando-me forças, acompanhados por uma torrada quentinha com manteiga e um delicioso chá sul-africano. A conexão virtual com o mundo não está funcionando, o que é bom e não me distrai, fazendo com que eu esteja de corpo e alma nesse texto. A sexta-feira chuvosa de Londres foi extraordinária, mesmo tendo-me feito gastar mais que o necessário – coisa que não posso.Engraçado imaginar que quando escrevo no papel, penso só em mim, mas quando vou concretizar os textos lembro que meus amigos muitas vezes acompanham e sinto-me na obrigação de explicar cada fato da forma mais compreensível.
Não me lembro se escrevi sobre, mas a juventude britânica é assustadora. Com raras exceções, grande parte dela é mal-educada, rude e revoltada não-sei-com-o-que. Não pensei que um dia diria isso, mas a violência em meu país talvez seja justificável pelas condições sociais. Diria que os negros do nosso país são muito felizes. Aqui a realidade é outra e o racismo realmente existe. Primeiro mundo? É o que eu me pergunto todo dia quando atravesso no transporte público uma trupe de dez adolescentes loucos por sangue.
Mudando de assunto e aumentando o astral, o centro de Londres é muito interessante depois das dez da noite. Muita gente na rua, o que torna maior a sensação de segurança. Ontem fui com uma nova – que já é antiga – amiga e em seguida encontrei um conhecido de anos atrás que vive aqui pra mais de quatro anos tentando salvar o mundo – qualquer dia desses falo mais sobre ele – com seus amigos do mundo todo. Fomos em uma casa noturna enorme, com muitos ambientes diferentes e pessoas que, dentro, não se enquadram nos perfis locais. Maior parte delas são estrangeiros tentando a vida por esses lados e não há preconceito. As músicas são as mesmas dos clubes paulistas, mas o interessante é que ninguém dança para ser bonito e sim por uma simples noite de diversão. Meu português está pobre, tenho falado muito Inglês. Mesmo...
Fiz amigos. Amigos dos amigos, amigos da noite, austríacos, britânicos, alemães, russos, brasileiros, australianos, canadenses, argentinos... Ai, Argentina. As argentinas têm fama de serem lindas, mas a que eu conheci ontem era a mais formosa de todas. Teve toda a minha atenção e eu quase joguei-me de cabeça, mas um radiante bartender britânico conseguiu roubar meus olhares. A princípio foi um flerte natural, que todas as pessoas têm por esse tipo de trabalhador, mas aquele sorriso acertou em cheio bem no meio do meu carente coração, então daí em diante ele passou a ser meu único atendente, entre todos os outros pontos de venda do local. É muito forte dizer nunca, mas realmente eu nunca iria imaginar que o namorico era comigo. Esse tipo de coisa acontece e ninguém leva adiante, mas por incrível que pareça, no fim da noite... Pista vazia, enxergo alguém acenando de longe. Era ele, o rapaz mais gracioso daquele local, engolindo-me com o mais receptivo sorriso que eu poderia receber. Descobri que nessa imensidão que é Londres, somos praticamente vizinhos. Oxalá ouviu as minhas preces! Uma simpatia de vizinho... Isso não vai prestar. Como diz um velho amigo meu, não devemos confiar em trabalhadores da noite, mas meu tolo coração é surdo, foi e deixou tudo pra trás. Amigos, ônibus, tudo. Não tenho palavras para explicar tamanha afinidade, tamanha beleza, na exata medida sem tirar nem por. Ai... aquele sorriso. Derreto-me ao lembrar.
Resumindo, tive que pagar um taxi do centro até minha casa, que ficou relativamente caro por sua causa. Não sei se seu motivo foi verdadeiro, mas prefiro não pensar para não criar expectativas. O moço, que aqui chamaremos de Ben, teve de ficar por mais duas horas para ajudar com a higienização do local e comprometeu-se a retornar-me na próxima semana. Palavra de bartender... Alguém acredita?
